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Ana Pérez-Quiroga
Disseminações
Pedro Lapa, 2001

Culturgest – 23 de Janeiro a 22 de Abril 2001
Exposição comissariada por Pedro Lapa

A vigilância e os sistemas de classificação e organização do visível são os dispositivos que Ana Pérez-Quiroga questiona ou subverte em trabalhos de características aparentemente muito diversas, mas que convocam o estatuto do objecto artístico para a reflexão. O visível e o enunciável, como os considerou M. Foucault, tornam se duas faces de um continente em que o saber pressupõe uma complexa teia de relações de poderes. Depois da falência de qualquer critério estético a priori, o objecto artístico como objecto de conhecimento está submetido a um campo de forças que implica um acto de poder, a procura de uma legitimidade. Assim entre o visível e o enunciável desenha-se o relacionamento de forças constitutivo da retórica que traça uma identidade para o visível e recalca os procedimentos de enunciação. A raspagem destes níveis de relações que organizam uma retórica em torno do objecto artístico torna-se uma tarefa produtiva na apreciação dos circuitos produtores de uma identidade especifica. A propriedade é um dos seus conteúdos que promove o valor. Dai partiu Ana Pérez-Quiroga em Breviário do Quotidiano # 2, 1998, tendo para o efeito roubado uma parafernália de objectos de uso pertencentes a várias instituições artísticas, que posteriormente foram expostos em vitrines no Museu do Chiado.[1] As legendas indicavam o lugar de origem do objecto, o dia e a hora em que haviam sido subtraídos, como se de peças provenientes de uma campanha histórica se tratasse. Os dispositivos museológicos de protecção reforçavam a pretensão perversa do estatuto a que estes objectos aspiravam. O reconhecimento da sua função utilitária dado pela visibilidade era nesta situação contrariado pelos processos de enunciação em que um valor da propriedade de uma instituição cultural foi apropriado por outra e monumentalizado. A artista duplicava uma situação estruturalmente recorrente na apresentação monumental da história de que o museu é a instituição produtora. Em Breviário do Quotidiano # 1 (Excuse me, cou!d I have a b!anket?),[2] 1999, Ana Pérez-Quiroga expôs sete cobertores diferentes, roubados em diferentes companhias aéreas. Dobrados e dispostos ordenadamente ao longo de uma fila, no chão, ironizando um trabalho minimalista, a cada um estava apensa uma etiqueta anti-roubo O espaço estava circunscrito por um detector anti-roubo. Os circuitos de vigilância são aqui a forma exterior da circunscrição da identidade artística e o facto dos cobertores serem provenientes de uma transgressão ao acto de vigilância revela a impropriedade que preside à construção da identidade como um território. Breviário do Quotidiano # 6,[3] 2000, consiste numa série de outdoors que se assemelham aos que os museus e as instituições utilizam em grandes espaços interiores ou exteriores para anunciar as exposições que apresentam e onde, para além do titulo do evento, são adicionadas imagens de obras, logotipos, nomes de produtores e de financiadores, aspirando todos à dimensão do visível numa pretensa biunivocidade da relação assim estabelecida. Este encontro do objecto artístico, o quadro de Balthus da colecção Berardo, com os sistemas de complexas relações que produzem a sua visibilidade, tem o seu correlato no outdoor que representa os monitores dos sistemas de vigilância. Esta torna-se a medida do valor da visibilidade, numa asserção que se pretende legitimada por critérios mercantis. Que essa seja a única ordem de legitimação parece desmentir a fotografia da obra exposta no museu com a artista que a observa. A relação desejante estabelecida paira assim suspensa entre os mecanismos de apresentação e vigilância da colecção e suscita uma diferença irredutível.

Excerto do texto para o catálogo de Pedro Lapa


[1] Breviário do Quotidiano #2, Museu do Chiado, Lisboa, Julho 1999.

[2] Exposição de Finalistas, Faculdade de Belas Artes de Lisboa, Maio 1999.

[3] Esta peça foi exposta em Olhar da Contemporaniedade, Festas da Cidade, Palácio Pancas-Palha, Lisboa, Junho 2000. Exposição comissariada por Ilídio Nunes.