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Patrícia Barnabé, As histórias de Ana, 2012
As histórias de Ana

Ana Pérez-Quiroga é uma artista de pessoas para pessoas. Vai pendurar bandeiras no hall do Tivoli e convidar-nos a entrar no seu quarto de hotel.
Vamos assistir a dois momentos, diz-nos a artista num dos sofás pretos de veludo da entrada, enquanto bebe uma água das pedras. “A ideia é pendurar 36 bandeiras à volta desta mezzanine. Paralelamente, e durante três dias, vou criar um espaço de residência artística num quarto do hotel. Vou redecorá-lo e colocar peças minhas lá, como se fosse um prolongamento do meu atelier. Trazer o studio para dentro do quarto de hotel e abri-lo ao visitante”, sorri.
Coisa rara em Portugal, hotéis receberem arte. Esta tem ficado mais composta, e domada, em museus e galerias. “Bem, se formos ver, o Chelsea Hotel, em Nova Iorque é uma residência de artistas… É revisitar um pouco esse movimento de quarto de hotel.” Faz sentido. “Este hotel tem um passado tão glamoroso, tão ligado aos artistas e ao mundo cultural. Fizeram-se aqui coisas tão giras, (como a  performance de Lúcia Sigalho dentro de um quarto), que a ideia é pegar nesse passado e repeti-lo”. Não se imagina melhor timing, já que vai coincidir com o momento em que o Hotel Tivoli receberá um brandmeeting do museu Guggenheim de Nova Iorque.
Ana Pérez-Quiroga estudou escultura, dá aulas de arte, mas o que realmente lhe interessa “é o conceito, utilizar a tridimensionalidade das coisas”. Já não faz escultura, faz instalação. Prepara um doutoramento sobre um seu próprio projeto (em Coimbra, sob a supervisão do artista António Olaio), isto é, como a sua casa “pode ser uma instalação, vivenciada, um espaço que as pessoas possam alugar e comprar o que lá está dentro.” (Tudo? “Tudo menos o que me foi oferecido.”) “A escolha de um objeto para a minha casa”, explica, “é uma escolha baseada no gosto, é consciente e estética e, por isso, artística. Da mesma forma, estas bandeiras são pensadas para este espaço concretamente da mesma forma que poderiam ser pensadas para a minha casa.”
Ela adora a ideia de objeto. E adora manipulá-los. Com eles, conta histórias, suas ou não, e faz trinta por uma linha. É visível na sua obra o object trouvé, assim como o objeto roubado. Isso mesmo, ela anda a roubar desde 1998, objetos que pode ver reunidos numa exposição que está agora patente no Museu do Neorealismo, em Vila Franca. São 182 ao todo, entre panelas de um aparthotel em Nova Iorque, puxadores de portas do Museu de Serralves, passando por uma mesa de Madeira dos homens das obras. “Tem um lado de diversão, e um lado iconográfico, é uma coisa quase antropológica, arqueológica”, diz divertida. “A maioria são objetos industriais, interessa-me a interpretação do espaço comum.” Também estão ligados a momentos e contextos do seu trabalho: onde faz uma exposição, onde dá uma entrevista (atenção bar do Tivoli!). Depois, faz fichas informativas para cada um, enfia-lo numa vitrina dando-lhe um valor artístico e ele torna-se “memória de uma vida, de acontecimentos artísticos da minha vida”.
As bandeiras expostas são cem por cento seda, a lembrar as bandeiras orientais, que se cruzam com o ocidente e com a teoria da cor, “o tratamento formal dos quadrados”, de Josef Albers, fundador e um dos pensadores da escola de artes da Bauhaus, em quem se inspira. “Tiro o melhor dos dois mundos”, explica. “As bandeiras simbolizam, refletem uma presença, mas também homenageiam e dizem ‘eu estou aqui’, utilizam o lugar.” E o que quer homenagear?, perguntamos. “A viagem. Não a viagem física, mas a viagem mental. Muitas vezes não precisamos de sair de casa, neste caso do quarto, para viajar.”
Na verdade, a arte de Ana Pérez-Quiroga é toda ela uma homenagem, “às pessoas, de alguma forma, e também às colaborações – são duas ideias sempre presentes no meu trabalho. No fundo, estou sempre a homenagear as mulheres, é uma coisa politizada, um statement. Gosto mesmo de pessoas, elas trazem-nos coisas maravilhosas, histórias, enriquecimento, e participam de uma forma extraordinária nas nossas vidas.”

Patrícia Barnabé, 2012
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