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Ana Pérez-Quiroga, O quase mesmo autógrafo, 2016
No final da década de oitenta e até 1994, viajei diversas vezes para Nova Iorque. Numa das viagens de regresso a Lisboa, enquanto esperava numa sala de embarque do aeroporto John F. Kennedy, Amália apareceu acompanhada dos seus músicos para embarcar no mesmo avião. Tinha dado um concerto no dia 2 de novembro de 1990 no Town Hall de Nova Iorque, o qual tinha sido, como é óbvio, um sucesso.
Não resisti e pedi-lhe um autógrafo. Tirei da mochila o meu diário gráfico e uma caneta e dei-lhos para que assinasse. Perguntou-me o nome e eu respondi: Ana. Amália escreveu “para a Ana, com beijinho, Amália”.
Quando a Sara Cavaco me convidou para fazer um projeto sobre a Amália, para a segunda parte da exposição Amália: Saudades do Brasil – A trajetória de Amália Rodrigues desde a sua chegada ao Brasil em 1944, a ser realizada no Rio de Janeiro, ocorreu-me de imediato o autógrafo que tinha pedido à Amália. Parecia-me ter ali um ótimo ponto de partida para desenvolver na minha série de trabalhos onde mostro 30 fotografias e um texto que conta uma história. É um protocolo artístico a que recorro para contar episódios do meu quotidiano.
No desenrolar da conversa sobre a exposição contei à Sara, que tinha conhecido Amália brevemente e que me tinha dedicado o autógrafo que lhe então lhe pedi. Mas, já não o possuía. Tinha-o oferecido à minha ex-namorada, que nessa altura vivia em Nova Iorque e que, por coincidência, também se chama Ana. No entanto, a história que eu queria contar seria sobre o autógrafo.
Ao que a Sara me disse “mas a Ana Rodrigues tem um autografo da Amália que também diz “para a Ana, beijinho, Amália”.
Quis o fado que esta outra Ana, não só tivesse um autógrafo semelhante ao que eu tive, como ainda durante muitos anos, tivesse guardado recortes de jornais com notícias sobre a Amália.
Naquele momento pensei que o trabalho seria feito com base nessa compilação de recortes de notícias e da dedicatória. O que me interessava abordar era um conjunto de questões em torno do universo emocional de quem partilha o entusiasmo de pedir autógrafos a figuras que admiramos e que fazem parte da nossa cultura Pop.


Quando se pede um autógrafo a uma pessoa famosa, somos imediatamente resgatados do anonimato, já não somos mero público, foi-nos concedida a passagem para a celebridade. A nossa relação com aquela figura personaliza-se e a assimetria parece diluir-se.
Ídolo, ilusão, inconsciente, individualização, importância, interesse, id, imersão, integram um inventário de idealização que nos impulsiona a querer um autógrafo.
“para a Ana, beijinho, Amália”, as mesmas palavras, tão genéricas, mas o meu autógrafo será sempre o meu. Para cada autógrafo, há um universo emocional próprio que lhe está associado.
Os autógrafos contam sempre histórias. No caso da Amália pressinto que as palavras lacónicas e repetidas das dedicatórias encerram histórias plenas de emoções e sempre diferentes.
Amália tornou-se numa estrela maior, não era mais uma cantora de fado, era agora a alma de um povo sem os lastros da ligação ao antigo regime salazarista, que tanto a tinham penalizado. Na década de 80, Amália foi recuperada por uma vanguarda de um Portugal que se queria tornar cosmopolita, nomeadamente na cena artística musical, dando-se uma viragem no gosto e tornando o fado um fenómeno mais amplamente compartilhado.
O fado é português. Fado significa também destino e alguns dos temas cantados são a saudade, a nostalgia e o amor. O fado pertence à lista do Património Oral e Imaterial da Humanidade da UNESCO. O fado é universal.
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