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João Silvério, Entrevista Ana Pérez-Quiroga, 31 de Janeiro de 2009, 2009
JS – Ana, quando te convidei para fazeres o projecto comigo no EMPTY CUBE, tivemos uma longa conversa epistolar, como escrevi no texto… Quais foram as expectativas criadas pelo convite para integrares o programa?

APQ – Eu acho que as expectativas… Não, vamos antes fazer um “ir atrás”, não é? Pronto. Quando eu estava em Xangai, entrámos neste diálogo, e nem sequer havia muito… A ideia que eu tenho é que nem sequer havia um convite formal. Havia uma hipótese de qualquer coisa vir a acontecer, de que voltássemos a trabalhar, mas nunca foi algo realmente assegurado. Era mais um “logo se via”. E isso não é bem fomentar uma expectativa, é algo como se… Deixa cá ver como é que te posso explicar isto… Eu trabalho da seguinte maneira: se eu tenho um espaço que me convida e que não me suscita dúvidas, eu começo logo a pensar para esse espaço, a pensar que vai acontecer, portanto a expectativa é uma coisa muito mais delineada, não é? Tem um caminho, parece uma auto-estrada, eu tiro uma auto-estrada daqui e zumba, vou directa lá. O teu convite era muito mais aberto, porque era… havia a “possibilidade de”, não era? E essa possibilidade também era uma coisa que, por outro lado, podia acontecer ou não. E não se pode pôr tanta expectativa numa coisa que pode não acontecer.

JS – Mas houve um momento em que…

APQ – Sim, mas isso também me deu uma distância, estás a perceber? O mais engraçado é que eu acho que só senti a expectativa, na verdade, apesar de já estar a trabalhar em Xangai para o projecto, porque parecia que ia acontecer, estava tudo quase assegurado, mas eu mesmo assim continuava muito… Podia tanto acontecer como não. E no momento em que me disseste, o que já foi cá, e já há muito pouco tempo, que a coisa ia mesmo acontecer, aí sim, é que eu construí uma expectativa sobre finalmente ir ocupar aquele espaço como sempre tinha ambicionado, e isso é que eu acho impressionante. Para mim, há aqui vários momentos. Momentos de construção, de… Porque eu vivo também muito em expectativas, sem dúvida. Por acaso, acho que é um mal na minha… porque é como se fosse uma fantasia, sabes? Mas não, não é. Às vezes não é nada bom, quando fica gorado. Há uma energia brutal que se põe num projecto, e depois parece que o projecto, por muito bom que esteja, por muito… Quer dizer, a sensação que eu tenho é que faço o melhor que me é possível para aquele momento. Depois, com o tempo, eu percebo – não cheguei lá, afinal foi ao lado, estás a ver? Mas eu sempre acredito…

JS – Mas neste caso até não…

APQ - Sim, neste caso até agora eu acho que o projecto estava… estava assim muito… Acertei, sabes? Eu sinto que acertei.

JS – Até excedeste as minhas expectativas, produzindo uma coisa sobre a qual não tive nenhuma influência. Isso foi óptimo.

APQ – E acho que isso também me faz sentir muito grata, porque de repente… Nesse sentido, até eu própria superei, no fundo, tudo o que eu podia imaginar de tão fantástico… Não se acerta assim muitas vezes… ou pelo menos eu não acerto muitas vezes… [risos] Olha, uma que eu não acertei: aquela coisa, que nunca foi bem ilustrada, a não ser mesmo quando fiz a minha tese em Évora, aquelas peças de cerâmica, com os plintos. Ficaram mal feitas para a feira, que não era o lugar para as expor; eu pensei que podia ser, que era uma coisa meia estranha…

JS – Acho que te disse na altura que poderia não ser…

APQ – Tenho ainda hoje uma relação ambígua com as peças, estás a ver… Mas as peças ficaram muito bonitas quando mostrei a minha…

JS – No EMPTY CUBE, acho que sucedeu o contrário. Eu estava até mais ansioso com a montagem do que tu, que estavas muito tranquila…

APQ – Ah, não, eu não tinha dúvidas nenhumas!... Aquilo para mim era “Trigo limpo, farinha Amparo”…

JS – Já que estamos a falar de produção, como é que encaras os meios disponíveis para trabalhar neste projecto, sabendo que não existe verba para produção de obra?

APQ – Não, isso também nunca foi um factor determinante para eu produzir nada. Nunca, nunca, nunca. Eu sempre produzi as minhas coisas. Como não sou uma artista que vende muito, tenho uma venda muito baixa, não é? O que me deixa um bocado… Ainda um dia gostaria de falar contigo sobre esse assunto.

JS – Ou seja, o facto de não haver meios disponíveis para a produção…

APQ – Não me impede nada, sabes? Nesse sentido, nunca estou à espera de dinheiros…

JS – Trabalhas como artista, tens o teu trabalho e tens de o fazer, não é? É muito curioso, porque a maior parte das respostas a esta pergunta são todas coincidentes…

APQ – Sim, porque acho que somos todos uns artistas um bocadinho não-mainstream… Um bocadinho mais marginais, e talvez também por isso, como não vendemos… O lado da venda tem um lado perverso, não é? Porque de repente tens de responder, ou corresponder, a um imaginário que põem por cima de ti. Estão à espera que faças aquilo, e eu não quero que ninguém esteja à espera que eu faça coisa nenhuma, eu quero fazer o que me dá na real gana, até mesmo fazer coisas que não ficam bem, estás a ver? Falhar! Quero lá saber. Já bem chega que depois venha um galerista dizer: “Ah, isto é uma porcaria, não posso vender isto”…

JS – Eu também não tenho a expectativa de que os projectos apresentados saiam absolutamente bem. Não é esse o meu plano…

APQ – Sim, isto é experimentação, não é?

JS – É bastante. Aliás, de um lado, na tua peça apresentada, havia a sequência fotográfica que teria uma solução de montagem ou duas, mas depois, no caso dos objectos que foram colocados na parede e do texto, aí a coisa foi de certa forma mais experimental no espaço.

APQ – Sim, mas também, convenhamos, não era uma peça difícil de se montar… Já tiveste lá projectos muito mais complexos, onde claramente tinhas duas hipóteses, ou três, de montagem… Esta eu acho que não tinha, sei lá… Tirando muito poucas pessoas, que podiam ter alternativas muito mais arrojadas, talvez, mas também não sei se fariam tanto sentido, eu acho que isto era como… como é que se diz, quando as pessoas estão todas em conformidade? Consentâneo, não é?... Uníssono! Acho que era uma coisa uníssona…

JS – Ora bem, esta pergunta é maior: como sabes e experimentaste, o projecto caracteriza-se por ter uma apresentação única, durante cerca de quatro ou cinco horas. Tendo em conta que a visibilidade da obra de arte é importante para qualquer artista ou criador, o que consideras poder perder-se ou ganhar-se no contexto actual da arte contemporânea? Achas que esta proposta é fragmentária do teu trabalho, ou seja, que este modelo, uma apresentação de um momento, de uma noite, possa ser redutor para quem não conhece a tua obra?

APQ – Eu acho que… Deixa-me subdividir esta pergunta, que tem várias partes. A primeira parte, o ser uma apresentação única, vem aliás na linha daquela conversa que eu depois achei maravilhosa, digo-te que fiquei mesmo francamente contente que me tenhas dito isso, porque me fez pensar muito, ou seja, eu elaborei depois uma conversa, ou um monólogo interior extraordinário, quando me disseste… Estávamos a falar, lembras-te? Do vidro, que eu adorava num passado já muito longínquo, quando o Javier tinha aquela galeria com aquela montra. E eu disse-te que para mim, este foi sempre um espaço extraordinário porque tinha esta montra, e tu disseste que isso nunca poderia ser o meu projecto, porque o efeito não seria o mesmo, e porque depois as pessoas poderiam ver a qualquer outra hora, e eu nunca tinha pensado que o âmago do teu projecto era precisamente as quatro ou cinco horas possíveis…

JS – Ou três…

APQ – Ou até meia hora! É irrelevante, mas havia um tempo definido. Naquela noite.

JS – E no teu caso em particular…

APQ – Quase podíamos ter montado e desmontado tudo num dia, não é? E aquilo tem então um ar performativo muito maior, nesse aspecto, que também acho que pega muito com a minha obra, que é muito “performática” nesse sentido, ou pelo menos é “performática documental”…

JS – Tem uma certa performatividade…

APQ – Sim, acho mesmo, quando tiro aqueles objectos dos sítios e os trago, ou encontro objectos, tem esse lado muito performativo. E, nesse sentido, uma performance, que é uma acção, também é um tempo. Nós podíamos pensar: “está bem, mas uma exposição que tem um mês e meio também é um tempo”… Mas um tempo alargado, versus um tempo muito “ou vais lá, ou não vais”. Quando temos performance, também temos um lado que tem a ver com… imagina, quando vais ao teatro, ou a um espectáculo que é feito para ti naquele momento, como uma refeição só para ti. Isso fez com que eu viajasse por uma quantidade de sítios que me interessaram explorar, mentalmente abriu-me outros caminhos, e pensei: “sim senhor, é isso mesmo que me interessa no projecto”. É que não tinha pensado, nunca tínhamos falado sobre isso, não é? Ou seja, tu achavas tão óbvio, e eu nunca tinha visto… entendes? Uma coisa é dizer “Isto só acontece durante meia hora”, e eu digo que sim, mas não reflecti… aceito, mas não percebo onde isso me leva, que espaços me abre, e tudo o mais. E confesso que aqui, neste campo concreto, interessou-me ainda mais o projecto…

JS – E achas que isso limita…

APQ – Não, nada! Para mim é até muito mais criativo, sabes? As pessoas que viram, viram; as pessoas que não viram, não viram. Interessou-me, no momento em que me apercebi, e foi na véspera, de que aquilo tinha quatro horas, mas quatro horas de uma coisa muito especial. E por isso mesmo, não de uma forma consciente, mas houve uma coisa que ficou lá a trabalhar, que foi “não senhor, eu tenho de desmontar isto hoje”. Estás a perceber? Eu quero é arrumar isto hoje.

JS – E foi à uma da manhã, já com tudo cheio de sono, à uma e meia, ou lá o que foi…

APQ – Já tínhamos tirado os alfinetes todos, e tínhamos tudo arrumadinho… E eu acho que isso é que fechou para mim, estás a perceber?

JS – E voltou a ser EMPTY CUBE, pois o EMPTY CUBE existe sempre, só não existe praticamente naqueles momentos, quando é habitado por uma obra ou um artista…

APQ – E também pelas pessoas que fazem a obra, os visitantes, ou os interlocutores dessa coisa… Esse momento foi para mim, sabes, foi mesmo “chegámos lá acima”, um Everest qualquer, estás a ver? Achei isso muito interessante. E depois havia a questão do modelo poder ser redutor… não, de maneira nenhuma. Abre-te até todas as portas, porque nesse sentido, claro que há muita gente que não conhece a minha obra e, por muito que vejam coisas, não a conhecem. Eu própria também não a conheço, não é? Só agora é que estou a perceber… Olha, tu lembras-te da Sara Barriga? A Sara Barriga é uma mulher que eu admiro profundamente, e que foi à minha exposição, à Chinoiserie, e me disse, já me tinha dito, mas ali disse-me francamente: “que engraçado, eu agora compreendo a tua obra”… Ou seja, passados anos, ela vê pontos de ancoragem nas coisas. Mas é preciso passarem anos…

JS – Daí que, depois de escrever mais este pequeno texto, tenha tido a ideia de que um dia temos de fazer uma coisa que tivesse um género de “linha de costura” da tua obra, que realmente tem uma linha condutora…

APQ – Sim, mas não penses que é uma coisa de que eu tenha uma consciência perfeita, não é? Não tenho.

JS – Alguma consciência tens, senão não vinhas a apurar... Eu acho que o teu trabalho se tem vindo a apurar, a concentrar até… Com uma direcção mais definida.

APQ – Sim, mas Deus queira que não seja assim… Estás a perceber? Quero que seja muito aberto, muito alargado…

JS – Mas isso está na natureza do teu trabalho…

APQ – Isso interessa-me, ou seja: isso é a minha fantasia, que aquilo seja mesmo muito, muito alargado, e que não seja uma coisa redutora, eu não quero nada que seja redutor para ninguém, não é?

JS – Claro.

APQ – Aliás, se queres saber, eu não quero nada que as pessoas digam que a obra é da Ana Pérez-Quiroga, sabes… Eu não quero, na verdade… Eu não sei se não quero porque não consigo, ou não sei se não quero porque… estás a perceber? Há sempre esta dupla coisa, não é? Eu não tenho uma obra que se olha e se diz logo: “isto é de”, como muitos dos nossos artistas, estás a ver? Que têm um… nem que seja por períodos…

JS – A questão da marca autoral no teu caso é muito singular… A forma como te distancias, depois… Embora tenhas processos, e como sabes, o que me interessa no EMPTY CUBE são os processos de trabalho – claro que me interessa a obra final, que é o que se vai ver, e isso remete para os processos de trabalho que lá estão, sobre os quais eu escrevo, mas no teu caso o processo de trabalho é um processo que começa a ser reconhecido… Talvez a obra não seja imediatamente visível, mas o processo, ou… aquele tipo de obra tem assim um tipo de processo que é…

APQ – Pronto, mas isso eu gosto, estás a perceber? Eu gosto que o processo possa ser reconhecido como trabalho, mas isso também exige ao possuidor da obra, independentemente de a possuir fisicamente ou não, no momento da fruição, que perceba… Eu muitas vezes assino a obra, por uma questão de, sei lá, talvez até do umbigo, não sei, não penso muito nisso, mas gosto de assinar algumas obras. Contudo, outras não são claramente, não as conheces…

JS – Embora haja obras tuas que são de tal modo auto-referenciais, que…

APQ – Mas isso é aquele lado “grande”, que eu quero abarcar, abranger…

JS – Amplitude. Esta nossa conversa vem ter à quarta pergunta: nas relações que iniciámos como curador e artista, o que foi mais e menos estimulante para ti?

APQ – Mais estimulante… Mas estás a falar do curador de agora?

JS – Estou a falar no âmbito deste projecto.

APQ – Ah, pronto. Vamos só pensar em ti enquanto curador deste projecto. E enquanto curador deste projecto, vamos começar por aquilo que não foi estimulante: foi o não saber se ia fazer lá, estás a ver… Ou seja, eu queria muito, mas não sabia ainda, não era uma coisa assim tão óbvia… Eu talvez gostasse de ter sabido, francamente ter sabido: “o convite é mesmo assim”, estás a ver? O mais estimulante foi que tudo correu super bem: a partir do momento em que se definiu que eu fazia, tudo correu excepcionalmente. Tu tiveste uma paciência infinita para as minhas indecisões, porque eu preciso mesmo que alguém esteja… Ou seja, eu não gosto, confesso-te, não consigo trabalhar com um curador que não faça quase como se… Sim, eu misturo as duas coisas, é verdade: tenho de misturar um pouco de “ombro amigo”, porque tenho estas indefinições, indecisões e inseguranças, não é? Eu sou aquela pessoa que não sabe se põe uma vírgula ou um ponto final, e tu tens de me explicar que aquilo não pode ser assim à balda. Portanto, eu tinha ali uma quantidade de coisas que me preocupam, e tinha de aborrecer toda a gente para que me revejam os textos, para que me digam se a ficha técnica tem de ser gigantesca ou não, quer dizer… Há uma quantidade de pessoas que tenho de envolver, mas para envolvê-las elas também precisam de querer ser envolvidas, não é? E quererem também dar-se ao trabalho de me apoiar. Não era só definir: “pronto, agora dá-me cá as fotografias, dá-me cá os textos, dá-me cá isto, dá-me cá aquilo”… Eu não quero ninguém que me peça só uma coisa, e pronto.

JS – De certa forma, estás a responder à quinta pergunta, que é: o que é para ti essencial na relação entre curador e artista?

APQ –Pronto, é esse diálogo, estar completamente aberta a poder discutir até ao mais ínfimo pormenor se o trabalho está mesmo onde deve estar, porque as inseguranças são muitas, não é? E isso é sempre um diálogo… Quer dizer, eu acho que um curador, para mim, tem de ser alguém que possa dialogar comigo, porque eu me ponho no papel de artista, e que me ajude a mostrar o que eu quero mostrar.

JS – Daí a distinção que eu faço entre comissário – alguém que aceita uma commission, que é encarregado de – e alguém que cura, com o artista, um trabalho que é sempre do artista; o trabalho do curador não é o importante ali, mas sim ter o trabalho do artista bem exposto, e com um momento de liberdade – em todos os projectos, houve sempre um momento em que o artista fez uma coisa e deixou-me para trás, e eu deixo-me ficar para trás: isso aconteceu com o teu dépliant, aconteceu com outros artistas com outras coisas, por exemplo, no caso do Vasco Barata, houve um desenho que foi gerado através do texto que eu escrevi – isso está registado na entrevista –, um desenho que eu não sabia que ele ia fazer, gostaria de ter escrito sobre o desenho, mas ele precisamente achou que se eu tivesse escrito sobre esse desenho, talvez já não o tivesse posto lá… Essa é a parte em que acho que a obra tem um âmbito de liberdade, não pode ser absolutamente condicionada; não estamos a falar de uma retrospectiva, de uma exposição que faça uma análise sobre o trabalho do artista, mas sim de um projecto lançado agora, um projecto novo. Uma outra questão: até que ponto o espaço disponibilizado para a apresentação do projecto foi absolutamente determinante para ti?

APQ – Quase tinha começado esta entrevista a falar-te disso: este espaço sempre foi para mim um espaço-fetiche. Eu era artista da Filomena Soares, e quando o Javier abriu o espaço passados uns meses, com uma exposição do Pedro Calapez, achei o espaço extraordinário, desde o primeiro dia… E pensei sempre que tinha pena de ser artista da Filomena, pois queria era estar aqui neste galerista, só porque tem o espaço mais bonito de Lisboa!

JS – E por um certo cruzamento, que pode ser até de energias, ou do que quer que seja, tu foste a artista que terminou este ciclo do EMPTY CUBE…

APQ – Sim, também acho isso interessante. Pois, é mesmo como uma fantasia: fazer lá qualquer coisa, usar aquele espaço para qualquer coisa… sempre achei que gostava de fazer isso.

JS – O EMPTY CUBE é, como sabes, apoiado por um site bilingue, que permite uma visualização do projecto do artista e a apresentação do texto do curador, que sou eu. Do teu ponto de vista, até que ponto a existência do site prolonga ou amplia a dimensão do projecto?

APQ – Mas isso é inegável, não é? Amplia, prolonga, faz história… É essencial, nos dias que correm, que o projecto tenha depois um eco, e que repercuta em ondas… A difusão, claro, passará sempre pela Internet, por tags em que pões o nome, ou qualquer coisa como “arte contemporânea portuguesa”, e aparece logo o projecto EMPTY CUBE. Isso para mim é essencial, e é quase mais importante que exista uma materialidade, nesse sentido, do que, por exemplo, uns papéis…

JS – Também há um papel, não há?

APQ – Também, também, eu estava só a pensar… Eu não estava a pensar no papel que foi entregue nesse momento, a, não sei quantas pessoas passaram por lá, mas pronto, que sejam sessenta ou setenta, ou cem, ou mais…

JS – Foram mais de cem pessoas…

APQ – Para um número X – que continua a ser sempre finito, no fundo –, a Web, nesse sentido… Pois, por alguma coisa se chama WWW (World Wide Web), portanto, alargadamente grande… e isso gera, não sei, centenas de milhões de pessoas a verem…

JS – Esperemos que seja assim…

APQ – Tenho certeza de que será assim. Isso é importantíssimo.

JS – Achas que a programação do projecto, ou seja, o projecto EMPTY CUBE deveria ter uma existência predeterminada temporalmente, um tempo limite, ou não?

APQ – Como é isto? Eu não percebo… Quer dizer que estás a perguntar-me se o projecto teria, quê, um ano, dois anos?

JS – É essa a pergunta. A pergunta terá que ser depois reformulada, ao ser escrita. Essa confusão acabaria por ser responsabilidade minha…

APQ – Não sei… Ou então, é porque os artistas querem mesmo responder-te, é isso que eu acho. Há aqui uma coisa engraçada, neste diálogo: queremos responder àquilo que pensamos estares a perguntar. Olha, não sei; não pensei nisso. Assim, pensando agora, com esta brevidade, na pergunta… Não sei, olha, acho que gosto de projectos finitos… Isso de projectos à la longue, infinitos… Imagina que o EMPTY CUBE tinha vinte anos de existência. Claro que se torna brutal, um projecto com essa longevidade é já intemporal, ou seja, ganha peso porque já tem aquele tempo todo de história, não é? Em vinte anos, passa por lá muita gente… Mas, por outro lado, vinte anos… Ouve lá, isso parece um tiranossauro, não é? Concerteza que se torna quase o Papa das gerações não-mainstream, o que também é interessante: pensar numa personagem que, de repente, consegue romper com os esquemas standard para apresentar sempre…

JS – Tu achas que o EMPTY CUBE rompe os “esquemas standard”?

APQ – De alguma forma, sim. Dá visibilidade a coisas mais arriscadas, ou pelo menos com pessoas mais arriscadas… Dá visibilidade, estás a perceber? Acho que é uma questão de visibilidade, e de… como é que se diz… desafio! É desafiante, não é?

JS – Desafio também para mim…

APQ – Também não estamos a falar de desafios a pessoas acabadinhas de sair de umas escolas…

JS – Houve um caso em que sim…

APQ – Pronto, mas… não sei. Ou passarias a ser sempre, ou então há aqui uma mistura, ou mostras uns e não mostras outros…

JS – Não, o que me interessa é trabalhar a partir dos processos de trabalho dos artistas; não é uma questão geracional, nem de escola, nem de ser mainstream ou não: nesse aspecto, o projecto não é, de facto, mainstream. Seria curioso definir o que é mainstream, mas isso ficará para mais tarde…

APQ – Eu não tenho bases teóricas para falar sobre o que é mainstream… Acho que sei, penso que sei o que é… Mas espera, que não queria acabar esta resposta sem te dizer “o outro lado”: realmente, vinte anos seria muito interessante, talvez pelo peso brutal da história, mas eu não vejo estes projectos com uma duração superior a cinco anos…

JS – Se calhar, não será até tanto, mas…

APQ – Não vejo, porque acho que depois, de repente… O que é que pode acontecer com projectos muito longos? Isso depois engaja com outra questão, que é o dinheiro, e no momento em que entra a questão económica, ou tens um parceiro para esses projectos…

JS – É o que vai acontecer no futuro…

APQ – Muito extraordinário!... E que percebe perfeitamente que isto é tudo um arrojo, e que só com o tempo há-de dar frutos, mas de qualquer maneira… Não sei, nós não somos um país que arrisca, porque não temos dinheiro e porque não temos cultura, por isso coisas com mais que um espaço finito tornam-se perigosas, acho eu…

JS – Então, já que estamos a falar de temporalidade, a eventual publicação de um livro sobre os projectos apresentados é para ti um factor importante, dentro do âmbito do EMPTY CUBE, ou não?

APQ – Eu nem sabia que… Nunca pensei que ias fazer um livro. É uma ideia… Achava que isso é quase a mesma coisa que… Não, não é nada a mesma coisa que um website, não tem nada a ver. Quer dizer, não tem a mesma difusão, é mais uma questão de cristalizar um bocadinho o projecto…

JS – Pode ter contribuições mais alargadas…

APQ – No que me toca a mim, acho super prestigiante que depois se passe a uma coisa em papel… Acho que se torna história, ficou, é mais um objecto aqui, assim, independentemente de que se façam mil exemplares, ou só quinhentos, ou uma coisa qualquer, mas isso fica, não é?

JS – Bom, a entrevista é muito curta, e está praticamente finalizada… Queres fazer mais algum comentário sobre a tua participação no EMPTY CUBE?

APQ – Para já, quero agradecer-te… Acho que foi extraordinário.

JS – Temos de agradecer um ao outro, isto é um trabalho conjunto…

APQ – Sim, está bem, mas nós somos… Sim, mas é a posteriori. A priori, tu és o curator… neste sentido, tu tens um espaço e um leque de artistas que te interessa trabalhar. Eu apenas fui um desses artistas que te interessou trabalhar… Nós temos uma posição diferente. És tu que escolhes, não é?

JS – Só aceitei uma proposta das várias que me foram enviadas, uma proposta tão direccionada, tão, como diz o autor, “sem solução se não fosse feita ali”, que eu achei que era de arriscar.

APQ – Mas até essa liberdade de arriscar tens, estás a ver? De poder aceitar ou não…

JS – Mas isso é essencial para trabalhar em arte, senão estamos a fabricar…

APQ – Sim, outra coisa qualquer. Mas pronto: quando estou a dizer que te agradeço é só isso, agradecer-te pela oportunidade que me deste, sinto-me super feliz, acho que o trabalho se realizou perfeitamente, foi uma peça ideal para ali, rematava aquilo tudo, aquele espaço, fechava muito bem…

JS – Mesmo até aquele episódio da tua vida que acabou por ter uma só página de diário, diário improvável, como achei… Resultou ali.

APQ – O segundo comentário é que, realmente, este EMPTY CUBE, que agora vai mudar para outro lado, continue a correr esses riscos, mas isso é que já ambicionas e esperas, por isso é sempre gratificante lá ir, e ver o que está a acontecer, ver que tipo de proposta apresentas, e que tipo de proposta apresenta o artista, pois eu acho que, curiosamente, há duas coisas que fazem um curator e um artista. O curator faz um trabalho, o artista faz outro, e os dois juntos fazem um terceiro trabalho… Eu acho que isso é muito engraçado, porque realmente tu fazes o trabalho e o artista faz o trabalho contigo, há uma coisa que se vê ali, mas depois cada um de vocês faz o seu trabalho individual, e isso também é muito interessante, porque… ao mesmo tempo, tu não és sempre tu…

JS – Da minha parte, tenho essa responsabilidade para com os artistas…

APQ – Sim, sabes, que é saber onde estás… Nas escolhas que vais fazendo, tu também és tu, da mesma maneira que o artista é sempre o mesmo artista, independentemente dos curators com que vai trabalhando, ou dos espaços, porque têm os seus processos, da mesma maneira que o artista tem o seu processo de produção e de trabalho, tu também tens o teu próprio processo… É engraçado ver essas três coisas naquele momento; naquelas quatro horas, estão lá três coisas.

JS – Bem, essa é uma definição que vou tomar em atenção para o resto da escrita que falta fazer neste momento…
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