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José Martinho, DESEJO
O desejo, concluiu Espinoza no século que testemunhou do nascimento da Filosofia e da Ciência Moderna, é a essência do Homem. A uma condição, precisará Hegel dois séculos mais tarde, que esta essência seja dialéctica: uma superação da negação da existência que conduza ao Saber Absoluto a que está ligado o reconhecimento do Outro.

Se o desejo de um homem, ou de uma mulher, é de ser reconhecido pelo Outro, uma terceira dimensão vai-se definitivamente impor entre os dois desejos: a representação.

A representação humana faz-se por imagens, conceitos e signos, inicialmente pela palavra que mata simbolicamente a coisa e cria o mundo do conhecimento e o reconhecimento pelo diálogo. É esta mesma palavra que vale ainda como a interpretação que transforma a dita «coisa» nos objectos que se apresentam da percepção à consciência.

Até aqui, o desejo pode ser basicamente definido pela sua interpretação. É Freud que vem sublinhar que o desejo não é só interpretação, que ele procura também a satisfação.

O movimento do desejo começou certamente a esboçar-se no ensaio individual para regressar à satisfação originária, aquela que terá momentaneamente apaziguado a incurável dor de existir. Mas como o eterno retorno da mesma satisfação é impossível, esta ânsia ou anseio tenderá para a alucinação.

É o que parecem mostrar as imagem do sonho (nocturno ou diurno) que comanda a vida. Só que Freud descobre que o sonho do ser que lhe fala é uma charada, uma encenação-figuração das sílabas ou letras que compõem a frase da fantasia inconsciente que tenta realizar-se.

O verdadeiro desejo nasce da diferença entre o que é sonhado e aquilo que realmente se obtém. Para que a espera ansiosa não se torne puro delírio, o desejo é obrigado a procurar a satisfação que é possível no diferencial dos signos que articulam tudo o que se passa no aparelho psíquico entre a extremidade sensível e a motora. No final processo, porque nele não encontra a plena satisfação, o desejo fica insatisfeito.

Mas é precisamente porque permanece insatisfeito que o desejo ex-siste. O desejo mais indestructível, aforiza Lacan, é mesmo o desejo de nada (de particular). À frente do eterno vector do desejo apenas se encontra o vazio, dado que o verdadeiro objecto está por detrás dele, na sua causa. 

Assim, a sina do falante é de desejar o que está perdido por estrutura (linguagem), logo, de ficar sujeito ao esquecimento e à memória: repetição, rememoração, e elaboração significante e cognitiva da coisa que se ausentou em razão da censura que traz a palavra e pesa sobre ela.

Inter-dito a quem fala, o gozo do real só se encontra fragmentado, por exemplo, na forma dos objectos de consumo que as sociedades pós-industriais produzem, globalizando cada dia mais a miragem da grande satisfação que a todos escapa.

Mas também na forma do objecto de arte, imortal substituto do vazio que foi elevado à dignidade da Coisa que não se dissolveu no banho da função e ficção.
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Ana Pérez Y Quiroga instala-se agora (2003) no desejo de criar peças que mostrem isso que continua a faltar, tanto ao nível dos objectos da vida material, do objecto semelhante ao sujeito que é o outro ser falante, sexuado e mortal, como do objecto místico em que uma certa religiosidade tentou juntar o Um erótico de Platão com o Outro divino.

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este texto está na www.anamnese.pt, traduzido ao português.
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